Em tempos dourados ama-se o ouro. Porque tudo brilha, é natural que se ame o esplendor. Já em tempos onde a matéria e o espírito deterioram, é o amor que brilha, o amor pelo que deteriorou.
Esse é o nosso tempo, hora de abraçar o incômodo, o decrépito, o que foi contaminado e poluído. É tempo de trazer tudo para perto e para dentro, e pacientemente aprender a digerir o dissabor. Porque, definitivamente, não há pra onde ir. Não há como evitar.
É tempo de acolher o desgosto, livre da utopia de um futuro suposto, da promessa de um sucesso que nunca chegou.
É tempo de estar aqui e tratar dos filhos e netos nascidos da fantasia e da desatenção. É tempo de estar aqui para lidar com o que foi semeado e cresce acelerado espalhando medo e desorientação.
É tempo de ficar e se sentar no alto da montanha de tudo o que se acumulou, de sentar em silêncio e contemplar. E sem pressa, deixar o próprio cenário, exatamente como ele é, nos guiar.
Sim! É hora de servir-se do banquete que nos foi preparado, mérito intransferível pelo TRABALHO DESATENTO tão bem realizado.
É hora de tomar os dejetos da dourada civilização e fazer deles inspiração e alimento. A criatividade terá que nascer da desgraça e do desastre. É tempo de compostar.
Em tempos de perspectivas distópicas, a alegria é saber devorar o indesejável para regurgitar seiva. É saber dançar sobre os destroços enquanto se constrói a morada de uma nova visão. É sorrir enquanto se lambe as feridas dos irmãos e irmãs que ainda não enxergam e caem a cada passo se esborrachando no chão. É ter a vida intacta por dentro e sentir-se em êxtase mesmo quando tudo está em plena dissolução.
É tempo de se inspirar nos mangues, nos fungos, nos vermes, urubus e hienas.
É tempo de viver no corpo, livre de imaginações.
É o tempo de ter os pés no chão e ver o óbvio.